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Um Voo Capturado da Lente Cinematográfica

fotogramas — cinegramas

Um Voo Capturado da Lente Cinematográfica

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A Lente Cinematográfica 02

LENTE CINEMATOGRÁFICA

acção

Primeiro Plano

 

Descobriu que podia filmar uma borboleta a sair de dentro de si. Foi buscar um papel e desenhou uma borboleta. Recortou a borboleta. Foi buscar algodão e pigmentos. Deu forma à borboleta com o algodão usando o suporte de papel. Um copo com água e criou várias tonalidades cromáticas com os pigmentos em pequenos cadinhos. Pintou a borboleta. Com um fio, prendeu a borboleta.

 

A Lente Cinematográfica na escuridão profunda de uma caverna, segue o movimento de uma vela acesa. O vento não sopra. Não há barulho. O silencio é quase aterrador. O Portador da Lente Cinematográfica, quer parir o seu Eu. Filma-se a si mesmo, vestido da mais absoluta escurdião. Pintou-se de preto. Não há distinção entre ele e a escuridão. A Lente Cinematográfica, desce até aos pés, do Portador da Lente, tudo é negro como carvão. Tudo é nada dentro do vácuo na profunda caverna negra. Um corvo negro, pousa silenciosamente num recanto da caverna, como o salvador do devir, ao qual nada ao passado deve e, deve sobreviver. 

 

O portador da Lente Cinematográfica, pousa-a sobre um tripé, e foca-a no espaço, e com um cabo de ligação que lhe  permite telecomandar a Lente, irá filmar o seu nascimento. Enrola o seu corpo em fios de algodão negro. Um processo demorado. Rola e enrola cada forma do seu corpo. A Lente Cinematográfica regista o processo. À medida que vai enrolando o fio de algodão ao corpo este vai se transformando num casulo enorme. Junto ao peito, coloca a borboleta e, continua a enrolar. O corvo, por fim, dá a última ajuda. Enrola os braços, do Portador, até formar por completo o casulo. Dá-lhe uma tesoura, e o telecomando para as mãos, cujos dedos ficaram ausentes de fios... 

O corvo volta ao seu recanto, silencioso. O Portador da Lente, foca a Lente Cinematográfica e começa a aventura de: "O Renascer De Si Mesmo".

 

A Lente Cinematográfica, foca os pés de um Ser Negro. Nem nome ou rosto, que entre a escuridão se revolve. Uma ténue luz de uma vela, onde o vento não passa e apenas o silencio mora, reflete palidamente as formas daquele ser. O corpo se movimenta. Uma dança sufocada. Uma urgência ao grito. Dois passos à frente, a Lente Cinematográfica filma, e quatro passos atrás. O Ser Negro, está impaciente. Farto de si. Mora no casulo onde não lhe destinaram nem um nome e nem um destino. Revolve e revolve. Não há barulho. Apenas movimentos. A Lente sobe, e foca a ponta de um objecto metálico. Brilha entre a luz parca da vela. A ponta do objecto metálico abre-se em duas, e uma delas penetra a primeira camada de fios. O corvo, agita as asas, e ouve-se o primeiro som dentro da caverna.  

A Lente faz um "zoom" sobre as lâminas da tesoura, filma o primeiro corte sobre os fios de algodão negro. O Ser Negro, desencarna as partes funestas, que lhe retardaram o encontro com o seu Eu. A tesoura avança e vai abrindo toda a densa estrutura, vestida de camadas e camadas. A Lente Cinematográfica segue o movimento. A cada corte fundo, o corvo agita as asas. Único movimento com som. Cortar cada fio, carrega uma densidade silenciosa. Vislumbra-se a agitação de quem quer se libertar do peso que lhe votaram contra a sua vontade. 

A Lente Cinematográfica, foca a vela que vai diminuindo a sua altura sem que o vento lhe  passe. Não há ventos cavernosos nesta caverna em nenhures. Não há som, a não ser o sacudir de asas do corvo a cada corte fundo no corpo de fios tão denso e escuro como a noite. O renascimento é um lugar sagrado e longe dos olhares comuns e, dos ávidos olhos de quem vive para o seu próprio egoísmo conspurcando as almas dos que necessitam de viver para uma nova vida. 

Um corte, mais fundo na densa malha do destino, e o Ser Negro,  se vê obrigado a despir partes das suas camadas queimadas pelo infortúnio que nunca lhe quis ver de boa cara. A Lente  Cinematográfica, aproxima-se e foca a primeira pele de um segundo corpo, também ele negro. Uma outra região, um outro mundo, um outro olhar e onde, se vê estrelas entre esse breu por identificar. A tesoura não pára o seu caminho. Urge a vontade de avançar entre chocalhos que habitam a própria mónada do Portador, o Ser Negro e o saber que não se volta atrás. Não se corta fitas da Lente Cinematográfica. 

Outro corte e outro corte, e assim todas as camadas são devoradas, e o passado falece entre fios desfeitos que vestiram o chão onde o Ser Negro, pousa os pés. A Lente foca o momento fatal, em que um fio diferente, e cuja tesoura não o corta. Um tilintar estranho quebra o silencio da caverna. O corvo esvoaça pelo espaço e emite o primeiro som. Algo, foi tocado... Algo que o tempo não conseguiu reter, que o homem não conseguiu possuir de um outro homem. O voo sereno de uma borboleta a renascer para a vida. 

O Ser Negro, puxa o fio e a mais bela e vibrante borboleta ilumina o espaço. A caverna desaparece, a vela retorna ao lugar dos perdidos da vida, para a encontrarem. O corvo, devora o passado e, retira com as suas penas, o pó negro que revestia o corpo do Ser Negro. 

A Lente Cinematográfica grava a cena última de uma floresta resplandecente a vestir o homem borboleta, cujas cores eram o próprio universo. 

 

©VERTIGEMcinematográfica

A Lente Cinematográfica 01

LENTE CINEMATOGRÁFICA

acção

Primeiro Plano

 

A Lente Cinematográfica incide sobre a água. O movimento é circular. Atrás do Homem Pequeno, no campanário, um sino toca. Alguém se casa. Dois jovens. Apaixonados. Deslumbrados um com o outro. Carregam em si, uma felicidade tal, que para eles o futuro é um Grande Senhor, onde a vida será de júbilo. Agarram as mãos, se entreolham e dão um beijo. A Eternidade habita-os, como se o amanhã não lhes soprasse qualquer mácula na vida quotidiana. 

 

A Lente Cinematográfica incide sobre a água. O movimento circular permanece. O Homem Pequeno, assobia. Os passáros cercam-no. Um pousa-lhe sobre a cabeça. O Homem Pequeno, fica quieto. Muito quieto. A vida é uma permanente descoberta. A Primavera, dentro de meses, chegará, e as flores brotarão. Os passáros não terão tempo para pousarem sobre a sua cabeça. Deixa-se estar. Um silêncio profundo, o invade. Abre os ouvidos e escuta. Escuta o passáro. Olha o movimento circular da água. A Lente, filma os destinos da água. 

 

Longe, para lá do campanário, a cidade circula caótica. As multidões vivem uma solidão acompanhada. Rostos anónimos e histórias incógnitas que só a Vida saberá.

 

©VERTIGEMcinematográfica

A Lente Cinematográfica 00

LENTE CINEMATOGRÁFICA

acção

Primeiro Plano

 

Ele estava tão velho que se consumia em corpos novos. Numa urgência em contrariar o ciclo da natureza.

 

...a lente cinematográfica se aproxima lentamente. O homem está sentado. A lente se aproxima do rosto, as pregas ao redor dos olhos denunciam uma vida prenhe de aventuras. A lente da câmera incide sobre o olho esquerdo, fazendo um grande plano. O homem fecha o olho e abre-o. A lente, muda de direcção e foca um plano distante. Um grupo de mulheres jovens se banha na pequena lagoa. Elas têm um riso farto. 

 

O apego à existência física era profundo. O homem que usufruiu de tudo o quanto podia alcançar, via-se agora perante a realidade última de não conseguir vencer a matéria feita de Cronos. Baixa os olhos num contínuo interrogar sobre a existência humana. Que propósito?

 

...a lente, muda outra vez de direcção e vem a recair sobre as mãos do homem. Um masso de folhas brancas está entre elas. Ele as acarinha. Como se elas tivessem sido a razão de toda a sua existência. A lente, muda de foco e incide sobre o rosto do homem que se apresenta alheio ao cantarolar das ninfas na lagoa, e por momentos quase que lhe adivinhamos os pensamentos. Que a sua última grande obra está para ser escrita. A lente, segue o movimento do rosto e os olhos do homem. Os olhos recaem sobre as folhas. Com a mão esquerda, ele procura no bolso algo. A lente segue a mão e o revolver do bolso. Uma caneta surge. Ele a pousa sobre a brancura das folhas. 

 

VERTIGEMcinematográfica©